Conferência na
Universidade de Nantes - recortes da transcrição do vídeo:
http://webtv.univ-nantes.fr/search.php?search=1&tag=boris%20cyrulnik
Começa fazendo gracejos para atrair a atenção, e pergunta: Do que vamos falar hoje?
TRAUMA E TRAUMATISMO
A memória sadia é evolutiva, altera conforme as cenas, os tempos e os contextos. Entre irmãos, não relatam os mesmos pais. A expressão das suas emoções organiza um nicho sensorial que produz as respostas dos pais… Aquilo evolui. É sempre sincero ainda que se diga o contrário anos depois.
Um traumatismo rasga a memória e a representação de
si.
Anna Freud distingue trauma de traumatismo.
O trauma sendo
o golpe, o traumatismo, a representação do golpe.
Os humanos sofrem duas vezes, do golpe e depois para chegar à representação do golpe, toda a culpabilidade que questiona o sujeito: Por que me fez aquilo? Por que eu?
Outra forma de sofrimento que altera a nossa memória. Um cenário que se repete: Num primeiro momento, fico estupefato, não sei o que fazer, não sei tratar essa informação, é fora do mundo, do nosso mundo, não estava preparado. Se a memória se
fixar, é a síndrome psicotraumática, fico preso no passado, a memória não é mais evolutiva. O trauma fica se
repetindo. Vejo a imagem constantemente. À noite, aquilo retorna em forma de pesadelos.
É imaginar que vai sacar dinheiro
no banco e alguém o ataca. Momentos de emoções intensas siderantes. O revólver é
focado porque a minha vida depende dele, e vou olhar a face se falar, e farei a interpretação da mínima mímica facial. Trato a menor informação. Fico hiperatento a menor mímica facial. Eu que fui criança maltratada trato informações precisas. Se o polícia interroga
Vou fazer raciocínios evolutivos.
Se houver um traumatismo num bebê, antes da idade da palavra, antes do 20° mês. Vocês sabem que a palavra se
instala entre o 20° e
o 30° mês em todas as culturas. Em qualquer cultura, aprende-se a língua materna sem escola, sem aulas…
Há um momento de avidez por essa informação, a partir das figuras com vínculos
afetivos, posso unir-me e desenvolver-me. Se sou bebê e me acontece um trauma, estou só, sem pai nem mãe, alguém me rapta, alguém que não conheço e a solidão lança-me num precipício de terror muito grande, essencial. A Biologia do isolamento sensorial estuda esse fenômeno. Na 3ª semana de isolamento, começa o atrofia cerebral por não se poder preencher o seu mundo de representações verbais, o preenche apenas de percepções. A percepção das palavras da sua mãe é um objeto sensorial que protege. É importante falar a
um bebê. Quanto mais se
falar a um bebê, mais o lóbulo temporal esquerdo se reduz para formar a zona da linguagem. Esculpe-se o cérebro da
criança ao falar. Um bebê em isolamento sensorial vive num mundo de terror constante. Qualquer informação é um alerta que assusta. A palavra tem um efeito afetivo. O bebê aprende muito rapidamente a reconhecer esta palavra.
Falar a um bebê é tecer uma relação e esculpir o seu cérebro. Quando se isola um bebê, como fizeram na Romênia, as crianças eram pseudo-autistas, conforme a decisão louca do presidente perverso, isolou-se estes bebês, constatou-se a atrofia do lóbulo pré-frontal com hipertrofia da amígdala. O que torna a criança incapaz de dominar as suas emoções. Não sabe tratá-las. Tem medo de tudo. Dependendo como o cérebro elabora e interpreta os acontecimentos da nossa
história, o que nos acontece
pode ser tomado como
agressão. Percebe-se o mundo como potencialmente agressivo. A partir do momento em
que uma criança sente como agressão, o cortisol sobe, e as células ávidas por cortisol, inflam e estouram, o que atrofia o sistema límbico. Fica-se incapaz
de ter memória e emoções associadas.
É uma convergência de causas que provoca um efeito ou não... Os borderlines, adolescentes tinham sido isolados no início da vida. Quando a mãe está grávida sob
estresse, ela transmite algo ao bebê e o cérebro da criança é alterado. Quando se estressa a mãe, a ecografia mostra que o coração do bebê começa a bater mais rápido no mesmo momento. Já as reações são diferentes conforme o bebê. 1/3 reage dando chutes
na barriga. 1/3 mexe
os braços e 1/3 nem
se importa. O bebê interpreta e reage diferente.
Metodologia usada neste relato: Passamos do político à informação sensorial, integramos as especialidades. Podemos continuar
raciocinando dessa maneira.
Representação do tempo
A representação do tempo é necessária para se poder fazer um relato sobre si mesmo, quem sou? Não sei me apresentar. A representação do tempo pode ser alterada por um acidente da vida. A lobotomia que foi inventada por um Prêmio Nobel que dizia que para a ansiedade é necessário uma lobotomia. (ironia) O lóbulo pré-frontal é a sede da representação do tempo futuro, lobotomizados não podem mais antecipar o futuro, nem o
passado. Não podem procurar, no passado, lembranças verdadeiras para fazer uma representação verbal, para organizar de forma coerente sua história, não podem antecipar, não têm mais angústia, estão felizes ao preço da humanidade. Há doenças que fazem isso
e então podemos ver como reagem as pessoas prisioneiras do presente. Incapazes de fazer uma representação do tempo apresentado no presente. Não podem responder por uma representação.
Os perversos estão presos
no presente, estão cortados do tempo. Conta apenas o seu próprio prazer perverso. Os perversos pararam o seu desenvolvimento. Não se torna perverso, permanecem. As crianças até os
4 anos não têm capacidade de
se descentrar de si mesmas para se colocar no lugar do outro.
Mantemos a definição de
perversão de Lacan, Narciso: Só conta o meu prazer, não importa o que vai custar aos outros. Não pensam que vão arruinar a existência do outro. Não têm uma representação do outro.
Livros tentam mostrar a teoria de que estamos
saindo do mundo edipiano (filiação, papai-mamãe) para um mundo narcisista (é igual ser homem ou mulher, só importa o prazer do momento), um mundo perverso que faz sofrer os outros em nome do gozo.
A empatia, a biologia e a
verbalização podem ajudar na
elaboração das pequenas frustrações que produzem aprendizado, a evolução da representação dos outros.
Nos países em guerra, as crianças são adultistas. Crianças que, muito cedo, devem cuidar dos pais inválidos ou depressivos. O adultismo é um sinal de parada
no desenvolvimento da criança, é reação
de adaptação traumática.
O mundo adulto
As lembranças carregam sobretudo as palavras que se associaram, com as quais se elaborou
a vivência.
Falar sobre uma fotografia horrível altera a maneira de senti-la.
Quando se fica só, fica-se submetido
ao contexto. Alguém que nos convide a colocar palavras às más lembranças, altera-se a representação da lembrança do nosso passado. A memória é uma reconstrução do passado. [Quando alguém fala, faz-se a luz.]
A guerra fornece inúmeros escritos. Suponhamos que se
queira suprimir o horror da condição humana. Fechariam-se o Louvre e os museus, os romances, as novelas que transformam o horror humano, fechariam-se os cinemas, os teatros, não sobraria grande coisa. Vê-se que a função da arte é alterar o horror do sofrimento da condição humana.
O sofrimento não é uma doença, é inerente à condição humana. O sofrimento é inevitável à condição humana. Não se pode dizer: estou curado, pode-se dizer: fiz algo do meu sofrimento, uma vez que pude organizar um relato, uma história, uma autobiografia, fiz uma obra de arte,
dei meu testemunho, milito por uma causa, participo de um movimento, uma
associação, escrevi uma poesia, se as palavras puderem dar-lhe um sentido.
A memória é evolutiva e trata-se com a escrita, com a palavra, a representação, a segurança afetiva, a família, o ambiente representa um papel essencial e a cultura, se a cultura quiser bem nos
dar a palavra.