Entrevista
de Francine Sporenda sobre o livro
“A
GLOBALIZAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO SEXO
prostituição,
pornografia, tráfico de mulheres e crianças”
de
Richard Poulin
IMAGO
Traduzida
por Mirian Giannella
"O fenômeno da prostituição, incluindo a prostituição sagrada,é concomitante ao da degradação do estatuto das mulheres nas sociedades".
Richard Poulin é professor de Sociologia na Universidade de
Otawa. Ele é o autor de "Violência pornográfica, indústria da fantasia e
realidades" (edições Cabedita), "Globalização das indústrias do
sexo" (edições Imago) e "Abolição da prostituição" nas edições
Sísifo. Há quase 30 anos que publica numerosos trabalhos, obras e artigos sobre
a prostituição e a indústria do sexo.
Esta entrevista data de 2007, foi realizada por Sporenda
para
o site de Isabelle Alonso http://www.isabelle-alonso.com/
Agradecemos a todos
os que foram mencionados na sua republicação aqui.
S - O seu livro "Abolir a prostituição" começa por
recordar algumas noções históricas sobre a prostituição, por exemplo, o fato de
existirem sociedades sem prostituição e, sobretudo, que existe um elo
fundamental entre o aparecimento da escravidão e o nascimento da prostituição.
Na origem — e este é um traço de várias culturas, Grécia,
Oriente Médio, etc. — os vencedores numa guerra matavam todos os machos e
reduziam as mulheres à escravidão, guardando-as como servas, concubinas e
reprodutoras para o seu uso pessoal, ou as prostituindo ou as vendendo aos
proxenetas. Qualquer proprietário de escravos era, portanto, proxeneta, ou
vendia os suas escravas em excesso a proxenetas; inversamente, só as escravas
ou as estrangeiras eram prostitutas, e todas as escravas estavam ipso facto sexualmente ao serviço dos senhores,
quer como concubinas quer como prostitutas.
Como a prostituição atual prolonga estas práticas arcaicas?
RP - Permita-me um esclarecimento: É no poema assírio de
Gilgamesh por volta de 2000 a.C. onde figura pela primeira vez na história a
menção da prostituição (sagrada). Esta prostituição sagrada é uma das primeiras
formas de prostituição. O clero dos templos prostituía mulheres e meninas e
açambarcava os rendimentos da prostituição. Ainda hoje, esta forma de
prostituição é praticada na Ásia, nomeadamente na Índia e no Nepal, bem como na
África. Os pais colocam suas filhas em templos ou com padres valorosos para a
vida. As meninas ainda não púberes iniciam-se nas atividades de devadasi na Índia, de Devadaki no Nepal e de trokosi no Togo, no Benim e no Gana.
O fenômeno da prostituição, e inclui a
prostituição sagrada, é concomitante ao da degradação do estatuto das mulheres
nas sociedades. Existe uma relação fundamental entre o desenvolvimento da escravidão
e a prostituição das mulheres e o estatuto muito inferior das mulheres
"livres". O sexo tarifado e a escravidão são parceiros naturais da
Antiguidade, num mundo tramado por e para o homem «livre». Segundo, a
historiadora Catherine Salles, a regulamentação da prostituição em Atenas, na
época de Sólon, «testemunha o desdém geral que suscita o sexo feminino». Demóstenes
expõe em termos tão breves quanto precisos como é a vida sexual ideal dos
homens de d'Atenas: «Esposamos a mulher para ter filhos legítimos e uma guardiã
do lar, temos companheiras de cama para nos servir e nos dar os cuidados
cotidianos, temos as hetairas para o
gozo do amor”. As companheiras de cama são escravas.
Em Atenas,
as mulheres e meninas das casas públicas são designadas pelo termo porne, que significa
etimologicamente «vendida» ou «à venda». A palavra “porné” não se refere à
prostituição, mas ao fato de terem sido vendidas ou compradas no mercado de
escravos. Como em qualquer mercado segmentado, algumas partes deste mercado se
destinam aos ricos e poderosos, enquanto outras às bolsas mais modestas. Acima
das mulheres e meninas prostituídas nos lupanares do Estado, as diteríades, temos as aletrades, e acima destas as hetairas, ou «companheiras», ou seja, as
prostitutas de luxo, algumas das quais foram libertadas pelo seu senhor depois
de terem sido suas escravas sexuais. Estas últimas são arrendadas por um
período mais ou menos longo. Podem ser meninas bem jovens: as hetairas compravam escravas jovens e
criavam filhas para alimentar bordéis. A menina nascida de uma hetaira tinha o seu caminho traçado, a
prostituição.
O fenômeno
da prostituição, inclusive a prostituição sagrada, é concomitante também ao
aparecimento dos mercados. Se as primeiras formas de prostituição adotaram um caráter
religioso, foi porque os primeiros mercados se deram ao redor dos templos, e
estes serviam de armazém de cereais. Lugares de comércio, foram lugares
privilegiados das primeiras formas de mercantilização sexual de mulheres e
crianças, da submissão do seu sexo ao prazer masculino, ao mesmo tempo que
crescia o mercado de escravos. Ainda mais que os templos compravam escravos
para os prostituir. É por isso que sustento que o clero dos lugares de culto
foram os primeiros proxenetas conhecidos da história.
A
prostituição atual prolonga essa via arcaica, não porque mulheres e crianças
sejam juridicamente "escravas sexuais" - ainda que muitas vezes, porterem
sido vendidas e compradas sucessivamente por cafetões e traficantes, seu
destino tem muitas características comuns às dos escravos. Mas formalmente,
nenhum estado apoia a escravização de um ser humano. A propriedade de cafetões
e traficantes é ilícita, embora amplamente praticada. Os traços comuns são
numerosos nos fatos, não nas leis. Os exemplos são numerosos e denunciados com
grande ruído pela mídia. Ao mesmo tempo, essas piores formas de prostituição e
tráfico de seres humanos costumam ser usadas para justificar aquelas que são descritas
como "voluntárias". É por isso que muitas pessoas se opõem à
prostituição "forçada" reduzida à categoria de escravidão, enquanto
aceitam - algumas até a promovem - a chamada prostituição
"voluntária". Os estados reguladores usam essa distinção em
particular para legalizar a desigualdade entre mulheres e homens, que é o
próprio fundamento da prostituição.
Fundamentalmente,
a mercantilização prostitucional de mulheres e crianças significa torná-las
produtos, bens de consumo, objetos sexuais. Nesse sentido, o parentesco entre a
escravidão sexual da Antiguidade e a prostituição hoje de milhões de mulheres e
crianças é patente. É uma indústria de massa da submissão das mulheres ao
prazer dos homens e ao lucro dos cafetões, assim como se tratava de tornar
mulheres e crianças à disposição de homens "livres" e senhores de
escravos e angariar a renda da sua prostituição.
A indústria
da prostituição explora e reforça a opressão das mulheres. Suas formas
evoluíram de acordo com os modos de produção, mas são baseadas em duas
invariantes intimamente entrelaçadas: patriarcado e mercantilização.
S - Você poderia se lembrar brevemente de como a prostituição
se institucionalizou na Europa, qual foi o papel e as concepções da Igreja
Católica sobre a questão e por que a solução da prisão de prostitutas
finalmente prevaleceu?
RP - Historicamente, o cristianismo participou ativamente da
prostituição de mulheres. Santo Agostinho, o mais ilustre defensor do
cristianismo, diz: "Suprima as prostitutas, as paixões abalarão o
mundo". As prostitutas são um "mal necessário" para a manutenção
da ordem pública. A castidade das mulheres é exigida, os desvios dos homens são
toleradas e a existência de mulheres e meninas prostituídas, consideradas
essenciais para a realização masculina que garante a ordem social, é aceita e
promovida. Mulheres e meninas prostituídas são notavelmente
"responsáveis" pela pureza das mulheres "honestas".
A mulher, de acordo com essa ideologia religiosa, é a impura,
a corrupta que trouxe o pecado à terra e perdeu o homem. Assim, o Concílio de
Mâcon, no século VI, discutiu a questão de saber se a mulher tem alma ou não, e
se é um ser humano: é por uma pequena maioria que a Igreja decide
afirmativamente a questão.
Em 1259, quando Luís IX quis expulsar "garotas
públicas" das cidades do reino da França, a Igreja se opôs sob o pretexto
de que "a desordem se instalaria em todos os lugares por causa da paixão
dos homens". Fechar as "mulheres devassas" em bordéis
rapidamente se tornará uma preocupação para as autoridades. Nos países
germânicos são estabelecidas "casas de mulheres". Em Wurzburg, o
detentor de uma casa pública fazia, perante o magistrado da cidade, o juramento
de ser "fiel e dedicado à cidade e de conseguir mulheres para ele".
Em cada cidade francesa, os oficiais municipais ou reais são responsáveis por fazer
cumprir os regulamentos de prostituição,
registrar as meninas e fazê-las
pagar um imposto. O cafetão é um assunto público: são os notáveis, inclusive os
da Igreja, que administram os bordéis públicos das cidades.
Em uma sociedade em que o status das mulheres é muito inferior
ao dos homens e onde as mulheres são "propriedades" daqueles que têm
poder, é costume tanto "proteger" pelo isolamento doméstico a virtude
das “honestas mulheres” e suas filhas e disponibilizar aos homens outras
mulheres que são prostituídas e fechadas nos bordéis. Também é comum ver homens
se apropriando do corpo de mulheres por estupro (a época foi marcada, entre
outras coisas, pela prática de estupro coletivo). A sociedade que relega a
mulher e a menina ao confinamento, seja doméstico ou ‘nas zonas’, teme o sexo
feminino. Como resultado, tudo contribui para o fato de que a sexualidade
feminina suja dominada e subjugada ao sexo masculino.
S – O regulamentarismo foi política dos estados europeus no
século XIX antes de finalmente ser abandonada após a Segunda Guerra Mundial na
França. Sua posição é de que o neo-regulamentarismo recentemente adotado em
certos países europeus leva à mesma observação do fracasso. Você pode nos dizer
o por quê?
RP - O regulador francês Parent-Duchâtelet escreveu que
"as prostitutas são tão inevitáveis em uma
aglomeração de homens quanto esgotos,
estradas e lixões".
A justificativa para a prostituição como "mal necessário" nos séculos
19 e 20, é higiênica. A ideia é prender mulheres prostituídas em bordéis para
controlar, entre outras coisas, a propagação de doenças venéreas. É claro que
há mais porque o objetivo do confinamento é manter o terror, constituir uma
ameaça permanente às "clandestinas" e, assim, garantir a obediência
às regras estabelecidas contra as mulheres (nunca homens). Qualquer mulher pode
ser presa sob acusação de fazer michê na rua e ser ordenada a fazer uma visita
médica. Ela é em seguida inscrita nos registros como "garota
pública". A questão também é o controle da sexualidade feminina: mulheres e
meninas “degradadas", "loucas de seu corpo", podem perverter os
homens mais virtuosos. Também médicos e juristas, que esperam a adoção em todo
o mundo do sistema regulador, concordam no início do século XX, em Viena, a
Meca da prostituição juvenil, que a menina exerce na prostituição uma sedução
própria do "eterno feminino” - o que alguns hoje chamam de “poder sexual”,
“poder feminino” ou o empoderamento das meninas - e que, sem regulamentação, a
desordem se instalaria e os homens seriam vítimas de mulheres e meninas.
Os bordéis regulamentados não impedem a prostituição de rua, e
as clandestinas são significativamente mais numerosas do que as registradas, o
que também é o caso nos atuais regimes regulatórios. Na França, antes de 1946,
ano em que 1.500 bordéis oficiais foram fechados, estimou-se que uma em cada
cinco mulheres prostituídas estava em bordéis, e apenas uma em quatorze não era
uma "rebelde", isto é, estava registrada. O sistema acaba sendo um
fracasso, a prometida "garantia de saúde" se mostrou ilusória. O
enriquecimento de cafetões e traficantes, no entanto, não foi irreal.
O fracasso do atual sistema regulatório, que visa tornar a
prostituição um "trabalho" e conceder direitos sociais às prostitutas
que se registram, eliminar o controle do crime organizado na indústria,
erradicar a prostituição infantil, melhorar as condições de
"trabalho" das prostitutas é evidente. Este fracasso é
particularmente reconhecido pelas autoridades dos países envolvidos. Na
Alemanha, apenas 1% das 400.000 prostitutas (contabilizadas oficialmente em
março de 2006), assinaram um contrato com cafetões "empresários". É
este contrato que lhes dá acesso aos direitos sociais. Em Amsterdã, o município
está tentando fechar um terço dos bordéis licenciados porque o crime organizado
os controla. Uma organização que defende os direitos da criança observa um
crescimento muito significativo da prostituição infantil, avaliado em 15.000.
Finalmente, as condições para a prática da prostituição deterioraram-se e não
melhoraram, exceto para uma minoria de prostitutas. A regulamentação da
prostituição significa na prática: criminalização de prostitutas clandestinas, rebaixamento
de prostitutas em zonas de tolerância, geralmente fora da vista, isoladas
(geralmente em zonas industriais) ainda mais perigosas, ou o confinamento em
bordéis sob o controle de cafetões que operam legalmente. A lógica desses
bordéis é bloquear, tanto quanto possível, qualquer possibilidade de fuga do
circuito por endividamento permanente (preço do aluguel, multas, serviços
vendidos a preços proibitivos, etc.).
As prostitutas geralmente fogem deste sistema, apenas uma
minoria está submetida, sendo a maioria rebelde ou ilegal. Este foi o caso
durante o reinado do sistema regulatório na Europa Ocidental, do século XVII
até a Segunda Guerra Mundial. Esses lugares não fazem nada para melhorar a
segurança das moradoras, pelo contrário, uma vez que o controle de cafetões é
fortalecido e a impunidade dos usuários aumentada.
S - A regulamentação atual, diferentemente da regulamentação
vitoriana, afirma ser inspirada pelo desejo de proteger prostitutas e
militantes em defesa de um novo direito para as mulheres, o "direito de se
prostituir". O que você acha deste novo direito das mulheres?
RP - De fato, o atual sistema regulatório foi criado em nome
dos direitos das prostitutas (ou de sua liberdade de “se prostituírem”) e os
direitos dos clientes, que de se beneficiarem da legitimação dessa indústria.
No entanto, como salienta Catharine MacKinnon, hoje o acesso dos homens às
mulheres, via sexo pago, é “chamado de liberdade tanto para eles como para elas”,
mesmo se a “liberdade” dos homens raramente seja invocada pelos estados
reguladores.
Esse direito, no entanto, é o do acesso ao corpo e ao sexo das
mulheres.
A globalização dos mercados é, em todos os textos
internacionais ou europeus, um valor aceito e comum. A mercantilização do ser
humano é autorizada, desde que não seja abusiva ou não seja
"forçada", em certas condições. Formas legais de tráfico são
permitidas. A prostituição não é mais vista como forma de subjugação do sexo
feminino aos homens e ao sistema patriarcal; é doravante um "direito"
e uma "liberdade". Os anos 90 foram caracterizados pela
mercantilização sexual de mulheres e crianças em benefício do sistema de
prostituição e proxeneta, em nome da implementação de certos métodos de sua
regulamentação.
A prostituição, legal ou ilegal, não é organizada para as prostitutas,
ela as comercializa ou monetiza. É organizado por um sistema proxeneta em favor
dos cafetões. Onde estão os proxenetas e os cafetões nas palavras daqueles que
defendem a prostituição como trabalho? Na melhor das hipóteses, os proxenetas
só aparecem como partes contratantes, como clientes. Eles têm
"direito" de consumir prostitutas, uma vez que é uma questão de lei
contratual burguesa: é um acordo concluído entre duas pessoas que consentem
(como se a terceira pessoa, o cafetão, nunca estivesse envolvido). Por que não
defender outra opção do consumidor, a de ver a mercadoria renovada
periodicamente - o tráfico para fins de prostituição não é usado exatamente
para isso? De fato, esse tráfico não representa um problema para eles, uma vez
que também é considerado "voluntário" e é assimilado à migração de
"profissionais do sexo"? Talvez eles também tenham direito a uma
maior qualidade dos produtos? Na Alemanha, todas as empresas com 15 ou mais
funcionários, incluindo bordéis, agora devem "contratar" aprendizes
sob pena de multa financeira! Que pai sensato encorajaria sua filha a seguir um
aprendizado numa academia de Eros?
O "direito" à prostituição significa uma regressão
do estatuto de mulheres e crianças. Agora, em muitos países dependentes, bem
como nos do antigo bloco soviético, sob o impacto das políticas de ajuste
estrutural e da economia de mercado, mulheres e crianças se tornaram as cccnovas
"matérias-primas" (Novos recursos brutos na literatura inglesa)
exploráveis e exportáveis no âmbito do desenvolvimento do comércio nacional e internacional.
Governos como o da Tailândia não hesitaram em falar da
"necessidade de sacrificar uma geração de mulheres" para permitir o
desenvolvimento do país. O que mostra o que significa esse "direito".
S - Na Europa, os estados reguladores - Alemanha e Holanda -
baseiam seu reconhecimento da prostituição na distinção entre prostituição
legal e tráfico ilegal. O que você acha dessa distinção?
RP - serve apenas para justificar a prostituição de dezenas ou
mesmo centenas de milhares de mulheres e apoia o tráfico de mulheres para fins
de prostituição. Definir prostituição ou tráfico para fins de prostituição por
coerção ou falta de coerção, por consentimento ou falta de consentimento, por
sua legalidade ou ilegalidade implica que não é mais necessário analisar a
prostituição como tal: seu significado, seus mecanismos, sua inscrição nas
relações de mercado e patriarcais, seu papel na opressão das mulheres, etc. A
legitimação da prostituição passa por esta operação de redução liberal.
S - Você diz que cumplicidades economicamente rentáveis existem
em todos os níveis, onde quer que a prostituição seja regulamentada; você pode
nos dar alguns exemplos?
RP - O governo da Holanda cobra da prostituição não clandestina,
em impostos e taxas, um bilhão de euros por ano. Ele é o principal cafetão do
país.
Em escala planetária, a prostituição e o tráfico de mulheres e
crianças não podem, portanto, ser espontâneos. Os movimentos populacionais que
envolvem centenas de milhares, até milhões de pessoas a cada ano, implicam
necessariamente uma organização bem estruturada, com ramificações
internacionais, inúmeras cumplicidades, enormes meios financeiros, com muitos
recrutadores, agenciadores e transportadores, guardas, "treinadores",
carcereiros e assassinos.
Para ilustrar, vamos dar uma olhada na indústria do turismo de
prostituição. Segundo a UNICEF, afetou 10% dos viajantes internacionais em
2004, ou 71,5 milhões de turistas sexuais.
Esse setor está organizado como qualquer outro setor. É um
setor em que indivíduos, como grandes organizações, trabalham. Em alguns casos,
essa política pode chegar até à aceitação oficial de que o turismo é
praticamente sinônimo de turismo de prostituição. O primeiro-ministro interino
do Reino da Tailândia, Boonchu Rojanasathjen, disse que havia necessidade de
criar novas atrações turísticas, "inclusive em áreas de certos prazeres
considerados talvez de má reputação". O primeiro-ministro Chatichai
Choonhave bateu na cabeça, observando que "os turistas vêm aqui porque
nossas mulheres são muito bonitas". Em Madagascar, um funcionário explicou
na rádio em 2006 que era necessário "incentivar a indústria nacional da
prostituição a promover o desenvolvimento do turismo sustentável".
As conexões são, portanto, múltiplas; eles vão para o nível
mais alto do estado (governo e serviço público). Em 1998, a OIT estimou a renda
do turismo sexual na Tailândia entre US $ 33 bilhões e US $ 44 bilhões por ano.
Lembre-se de que foi um general do exército real da Tailândia que, com a ajuda
de um empréstimo generoso concedido, entre outros, pelo Chase Manhattan Bank,
construiu as primeiras instalações de descanso e recreação e foi sua esposa
quem organizou as primeiras excursões sexuais para soldados envolvidos na
Guerra do Vietnã. A capital das autoridades do país foi construída nas costas
de mulheres e crianças prostituídas.
Onde a prostituição é considerada vital para o desenvolvimento
do país, bem como onde a prostituição é regulamentada, ocorre uma explosão
nessa indústria e, portanto, uma explosão na renda monopolizada.
A prostituição é uma indústria na qual vendedores e vendedoras
fazem fortuna e revezam-se na compra. Como em qualquer indústria ou comércio,
uma multidão de pessoas se beneficia do fluxo de ‘mercadorias’; do cafetão ao
intermediário, do recrutador ao dono do bordel, do funcionário corrupto da
alfândega às redes internacionais de hotéis, do taxista à companhia aérea, da
polícia à agência de viagens, do traficante ao Estado que recolhe impostos. Até
a família pode se beneficiar disso. Todos recebem uma quantia em dinheiro
direta ou indiretamente relacionada à prostituição de mulheres e crianças.
A indústria da prostituição representa 5% do produto interno
bruto da Holanda, entre 1 e 3% do Japão, e em 1998, a OIT estimou que a
prostituição representava entre 2 e 14% do total das atividades econômicas da
Tailândia, Malásia e Filipinas.
S - Os recentes assassinatos em série de prostitutas na
Inglaterra mostraram o elo de ligação entre prostituição de rua e a dependência
às drogas na Europa Ocidental - todas as prostitutas assassinadas eram viciadas
em drogas. Que pensamentos o inspiram ao observar isso?
RP - No Canadá, acaba de ser aberto o julgamento de Robert
Pickton, acusado de 26 assassinatos de prostitutas de rua em Vancouver, a maioria
de origem aborígina. A reação dos jornalistas, como na Grã-Bretanha, foi
perguntar a especialistas se a legalização da prostituição proporcionaria maior
segurança às prostitutas. Alguns especialistas concordaram. No entanto, Jack, o
Estripador, estava matando prostitutas no Reino Unido regulador.
A pesquisa de Farley e Lynne sobre prostitutas de rua em
Vancouver descobriu que 68% das prostitutas não viam a legalização da
prostituição como uma solução para seus problemas, incluindo sua segurança.
Como lembrete, é em Vancouver que o número de prostitutas desaparecidas é o
mais alto do Canadá. As questões de segurança são, portanto, muito importantes,
mas, apesar disso, a legalização da prostituição não parece ser a solução aos
olhos das principais partes envolvidas. De fato, as pessoas prostituídas querem
deixar a prostituição (95% de acordo com a mesma pesquisa), mas a sociedade não
oferece os meios para alcançar esse desejo. Como a sociedade não desenvolveu
serviços que permitam que as prostitutas se reorientem ou mudem de vida, elas
geralmente não têm outra maneira de sobreviver do que permanecer ou retornar à
prostituição.
A prostituição de rua está associada à dependência de drogas.
Um fator, no entanto, deve ser destacado: a prevalência do uso de drogas é
significativamente maior entre prostitutas do que entre não prostitutas, mas o
abuso de drogas geralmente segue a entrada na prostituição e não precede.
Obviamente, as drogas são úteis para as pessoas prostituídas: elas apoiam a
prostituição, reforçando, em particular, o fenômeno da dissociação emocional. Mas a dependência criada as leva a continuar,
se não a acelerar, as atividades de
prostituição em
condições cada vez mais arriscadas.
S - Em seu livro, você escreve: "o ideal para o cafetão é
estabelecer controle suficiente para que a prostituta se torne sua própria
guardiã e, ao mesmo tempo, reivindique com orgulho sua atividade"
Nos programas de televisão da França, Paris-Première, Odyssée
etc., as únicas prostitutas convidadas que ouvimos são aquelas que dizem ter
orgulho de se prostituir. Como você explica o sucesso da mídia no discurso da
“prostituta feliz”?
RP - Não escrevi isso por acaso. Após "A globalização das
indústrias do sexo", conheci muitas ex-acompanhantes que queriam
compartilhar suas experiências. Em "Abolir a prostituição", eu queria
integrar seus testemunhos. Algumas pretendiam se envolver na luta pela abolição
da prostituição e visavam conscientizar as jovens. Entusiasmadas, voltaram para
casa e, depois de dois ou três dias, entraram em contato comigo novamente para
me dizer que era impossível, muito difícil, reviver o que elas absolutamente
queriam apagar de suas vidas que tinham com dificuldade reconstruído. Essas pessoas que revolucionaram
suas vidas com sucesso não desejam aparecer publicamente.
Todas que conheci acreditavam que tinham feito uma escolha.
Todas queriam acreditar que haviam forjado seu próprio destino. Aquelas que
ainda acreditavam nele eram incrivelmente culpadas, mas a maioria delas não
falava mais em termos de escolha, o que não explica nada em sua prostituição.
Muitos jornalistas me ligam para acessar o testemunho de
prostitutas. Eles não conseguem entender que a grande maioria delas, mesmo com
rostos embaçados e vozes distorcidas, se recusa a prestar-se ao exercício do programa
de mídia. Não porque elas não tenham nada a dizer, mas porque esse exercício
reviverá o estresse e a ansiedade que experimentam na prostituição. Suas
memórias são muitas vezes incoerentes, ocasionalmente contraditórias, muitas
vezes fragmentadas. Elas se lembram da cor dos tapetes ou das cortinas, mas
raramente das prostitutas (de fato, salvo exceções, elas são integradas a um
todo indiferenciado: o cliente). Imagens fortes as dominam, tornando-as muito
emotivas. Elas poderiam garantir aos jornalistas que a prostituição é
destrutiva, mas sabem que eles não ficariam satisfeitos com essa afirmação. Eles
querem tirar o máximo de suco delas e enquanto elas querem apagar esse momento
de suas vidas.
A vida ruim que muitas pessoas enfrentam é ignorada em favor
de um discurso mais promocional e midiático e especialmente mais propício ao
liberalismo. Aquelas que dizem que estão felizes com sua prostituição não
apenas têm um discurso que vende mais na mídia, mas essa auto-justificativa de
sua prostituição lhes permite afirmar que controlam sua vida (que não deve ser
minimizada), também permite aos bem-pensantes, cafetões ou não, acreditar que
as mulheres se prostituem porque sentem prazer, e não apenas para proporcioná-lo.
Geralmente, quase sempre são as mesmas prostitutas que são convidadas pela
mídia: é que não há muitas que concordam em jogar esse jogo e, portanto, de
serem irremediavelmente definidas por um estatuto que, apesar de promovido,
permanece estigmatizado, mesmo assim.
FONTES
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