segunda-feira, 8 de junho de 2020

Libertação sexual


"Libertação sexual": QUANDO A DOMINAÇÃO MASCULINA SE REINVENTOU
 
Entrevista com RICHARD POULIN
Por Francine Sporenda
Data: 19 de fevereiro de 2018
Traduzida por Mirian Giannella
 
Richard Poulin é Professor Emérito de Sociologia (Universidade de Ottawa) e Professor Associado do Instituto de Pesquisa e Estudos Feministas (UQAM). É autor de livros sobre indústrias sexuais, questões étnico-nacionais, violência assassina, bem como socialismo e marxismo. Ele dirige "M publisher" e acaba de publicar "A Culture of Aggression, Masculinities, Sex Industries, Serial and Mass Murders" (1).
 
F.: Você diz que o capitalismo recuperou o sexo. Nesta sexualidade mercantilizada, a injunção para gozar é "agora uma condição de saúde e equilíbrio mental". Antes, o prazer era proibido às mulheres, agora tornou-se obrigatório. Quais são as consequências dessa injunção para as mulheres — e o que elas ganharam na troca?
 
RP - Fala-se de "revolução sexual" e de "libertação sexual", mas acho que em retrospectiva devemos falar sobre "liberalização sexual". Para quê? A liberdade sexual (obtida através da pílula anticoncepcional) certamente permitiu a dissociação da sexualidade e da reprodução e permitiu tirar esse peso que sempre caiu sobre as mulheres: o terror da gravidez indesejada. Também tornou mais fácil para os homens acessar corpos femininos. Mulheres jovens que não davam, especialmente as dos círculos militantes, eram desaprovadas, consideradas conservadoras ou reacionárias, puritanas, reprimidas, etc. Então a pressão era enorme. E o homem que não conseguia  seduzir facilmente mulheres se sentia mal, inadequado, incapaz.
 
Então, muito rapidamente, o dever de desempenho se impos ao mesmo tempo que o diktat da juventude, da magreza anoréxica e da feminilidade exacerbada. A moda unissex deu lugar a uma sexualização fixa de atributos. A dominação masculina foi renovada avançando "mascarada, sob a bandeira da liberdade sexual" (Anne-Marie Sohn). E a liberalização sexual causou uma explosão na mercantilização do sexo.
Existe essa injunção de gozar para as mulheres, e torna-se possível na medida em que descobrimos que elas têm o chamado "ponto G". Essa descoberta leva a uma otimização do desempenho no coito e à obrigação de múltiplos prazeres. Além disso, capacita as mulheres para o seu gozo e, no mesmo movimento, descapacita (novamente) os homens. Dessa forma, abre caminho para um "regramento sexual" renovado. A injunção para gozar é agora uma condição de saúde e equilíbrio mental. Em suma, as mulheres que não encontram seu "ponto G" devem se sentir culpadas por não terem sucesso em ter um orgasmo vaginal em vez de um orgasmo clitoridiano. E também sabemos que hoje em dia muitas mulheres jovens, na faixa dos 30 e 20 anos que vão ao ginecologista reclamam de dor durante a relação sexual: não funciona como deveria, elas têm muita dificuldade em assumir essa ideia que elas devem realizar: a de que não apenas elas devem fazer o parceiro gozar, mas elas também devem gozar absolutamente. E parece cada vez mais difícil e complicado para um número delas ser capaz de chegar ao orgasmo, ainda mais se se tem que ser necessariamente vaginal.
 
Mas essa injunção para gozar anda de mãos dadas com outra: a de ser bela, de prestar atenção ao corpo, de estar à escuta do outro e de seu corpo, que o corpo deve ser atraente para o outro, de usar todos os meios para torná-lo. Também deve assistir pornô para entender o que dá prazer aos homens, o prazer dos homens estando ligado à sua própria objetificação: tornar-se um objeto de desejo é algo que parece ser extremamente importante. Revistas femininas transmitem isso de forma espantosa, assim como revistas para adolescentes. Então, há um bombardeio constante sobre mulheres e jovens adolescentes, sobre o que deveriam ser. Como resultado, a cirurgia estética, especialmente para implantes mamários, aumentou significativamente. Temos os números para os Estados Unidos e Espanha, mas imagino que os números são semelhantes para o Canadá e a França. Dizem que você deve estar bem em seu corpo, mas para estar bem em seu corpo, você tem que transformar seu corpo. E essas transformações são ditadas pelos desejos dos homens: por exemplo, ter seios maiores. Assim, a pressão sobre as mulheres - sobre o corpo das mulheres e seu psicológico - é enorme. Também existe para os homens, mas muito menos. A depilação em homens está em ascensão, mas a depilação total em mulheres é imperativa. Fiz uma pesquisa com alunas sobre o uso de pornografia, e um estudo para complementar a pesquisa sobre transformações corporais. Houve uma correlação muito forte entre a idade do início do uso da pornografia e as transformações corporais. Transformações que poderiam ser temporárias, como a depilação, mas também poderiam ser permanentes, como a tatuagem. Descobrimos que quanto mais jovens começaram a usar pornografia, mais a depilação era uma norma, mais tatuagens havia, mais piercings, etc. Assim, a imagem do corpo feminino pornificado tornou-se um modelo de feminilidade.
  
F.: Então, em última análise, a sexualidade, de uma forma ou de outra, continua sendo a maneira fundamental de policiar as mulheres?
 
R.P.: Sim, e quando eu falo sobre a mercantilização do sexo, não é apenas que as indústrias do sexo estão comercializando os corpos de mulheres (e crianças), é também a ideia de que, para ficar bem na fita, você tem que adotar padrões que são os da indústria da pornografia. A depilação de pelos púbicos vem da chamada "guerra capilar" que ocorreu entre a Playboy, Penthouse e outras revistas desse tipo. No início da década de 1990, os púbis femininos não eram depilados em imagens pornográficas. Esta guerra levou a um excesso de licitude, temos que mostrar tudo, e o pelo era um obstáculo que impedia de ver os órgãos sexuais. Foi quando começamos a podar e raspá-los, e daí até a depilação total. Hoje você tem a parte superior do corpo corrigida por cirurgia plástica com implantes de mama que muitas vezes são enormes, até mesmo disformes, e a parte inferior do corpo depilada. É uma infantilização pornográfica dessa parte do corpo das mulheres - como se a mulher em cena fosse de idade pré-púbere, tivesse que permanecer uma garotinha - e, para a parte superior do corpo, há, pelo contrário, uma amplificação dos órgãos da feminilidade.
 
F.: Você cita o aviso da feminista Diana Russell de 1974 de que "se a libertação sexual não for acompanhada por uma libertação dos papéis sexuais tradicionais, pode resultar em uma opressão ainda maior das mulheres que antes". Foi isso que aconteceu, e que análise política você faz do conceito de "libertação sexual"? Houve um alinhamento para mulheres com objetivos sexuais masculinos, ou seja, mais acesso sexual aos corpos das mulheres?
 
R.P.: Sim, ainda podemos dizer que a pílula desempenhou um papel porque quando estava disponível, foi dito que as mulheres poderiam fazer sexo com todos os homens que quisessem sem ter esse medo de engravidar. Então foi uma liberação nesse nível. Mas ao mesmo tempo veio a injunção de que a mulher tinha que fazer sexo com vários homens...
 
 
F.: As mulheres não tinham mais nenhuma razão para negar-se aos homens, isso abriu acesso sexual quase ilimitado para eles?
 
R.P.: Sim, o acesso dos homens às mulheres tornou-se muito maior. E os homens se aproveitaram disso enormemente. As mulheres se beneficiaram? Eu não tenho certeza. Não posso falar por elas, mas deu aos homens um maior acesso às mulheres. Esse maior acesso às mulheres foi acompanhado por uma explosão de pornografia e prostituição. Isso é paradoxal, porque poderia ter sido assumido que um maior acesso às mulheres teria reduzido a indústria da prostituição, o contrário aconteceu. Assim, para os homens, o acesso aos corpos das mulheres foi multiplicado não só no namoro, mas no sexo pago. Isso me faz pensar que não vimos libertação sexual, mas liberalização sexual: por volta dos anos 1990, houve uma explosão da mercantilização e objetificação dos corpos das mulheres em todo o mundo.
 
F.: O que você acha da tese feminista de que o crescimento da pornografia (juntamente com o retorno da religião fundamentalista) constitui uma "vingança simbólica dos homens diante do desenvolvimento da afirmação e autonomia das mulheres"? E que a pornografia permitiria que os homens recuperassem o terreno perdido como resultado dos avanços feministas?
 
R.P.: Na minha pesquisa sobre pornografia nos anos 1980, antes da Internet, entrevistei um dos homens que publicaram a revista pornô canadense Rustler. Ele disse que o que fez a revista vender melhor foram fotos de mulheres ajoelhadas na frente de um homem fazendo sexo oral nele. Para ele, era o próprio símbolo do fato de que as mulheres eram submissas aos homens, e que se os homens gostavam dessas fotos, era uma espécie de vingança contra o movimento feminista. Essa foi a explicação dele, e acho que tem um passado de verdade. A pornografia tornou-se um meio simbólico para os homens reduzirem as mulheres a um status menor do que eles. O movimento feminista tem afirmado a autonomia e a igualdade das mulheres, mas a pornografia diz que a igualdade é impossível. Essa inferioridade pornográfica levanta a questão das relações de gênero, mas também levanta a questão do racismo. O status dos negros na pornografia é um status animal: um homem negro é um garanhão. Essa animalização, que é uma forma de inferiorização, também se aplica às mulheres no cotidiano. Na França, o sexo de uma mulher é chamado de chatte, de gata. Essas comparações com animais são legião quando se trata de mulheres e negros, porque um animal não pode ser igual a um homem. Um homem branco tem o poder e o direito de treinar um animal, assim como ele tem o poder de treinar uma mulher ou um homem negro. Há toda uma imaginação masculina de inferiorização e subjugação de mulheres, negros e asiáticos etc. E só homens brancos escapam dessa animalização.
 
F.: Ouvi clientes de prostituição dizerem que se eles usavam prostitutas era porque as mulheres tinham se tornado impossíveis, muito exigentes, arrogantes etc., e que na prostituição eles encontravam mulheres submissas, a serviço dos homens, como nunca deveriam ter deixado de ser...
 
R.P.: Sempre tentamos legitimar o que fazemos por todos os meios ou pretextos, e isso, do ponto de vista dos homens, nunca é nossa culpa. Este é um elemento básico da tradição judaico-cristã com a expulsão do paraíso terrestre: é culpa de Eva se alguém foi expulso do paraíso, Adão é completamente inocente, ele não entendeu o que estava acontecendo. Por definição, é Eva quem é responsável pela queda humana. E este é sempre o caso: para os homens, são sempre as mulheres que são responsáveis por suas próprias ações, nunca eles mesmos. Os homens são infantis... Uma criança diz: "A culpa não é minha, é dos outros." Acho que esses homens estão frustrados, na medida em que, o que procuram na prostituição, nunca conseguem. Então, se eles não têm, a culpa é das mulheres. Pesquisas de "clientes" de prostituição e prostitutas mostram que esses homens funcionam como aqueles indivíduos que absolutamente querem obter o modelo mais recente do i-phone, mesmo que o deles ainda funcione muito bem. Portanto, há um frenesi de consumo permanente porque estamos insatisfeitos com o produto que temos, pois estamos insatisfeitos com a relação com a mulher prostituída e achamos que da próxima vez será melhor. Nunca é melhor, então envolve uma fuga pra frente que leva a uma demanda constante de consumo.
 
F.: Quais são as consequências da pornografia nas relações de gênero? Como pode a noção de amor heterossexual, especialmente amor "romântico", sobreviver em uma sociedade onde a pornografia onipresente dá uma imagem tão degradada de mulheres (e homens)?
 
R.P.: A pornografia não é a única questão, é além de outros fatores sociais, mas usuários de pornografia, pornófilos, estão sofrendo com os efeitos desse consumo em suas vidas sexuais. Esses efeitos foram documentados: esses homens desenvolvem disfunção sexual erétil e têm dificuldade em ejacular com uma "mulher real". Há também incitação à violência sexual: nos Estados Unidos, várias pesquisas mostraram que, entre os jovens usuários de pornografia, a ideia de que podem agir e estuprar é muito forte. Outra das consequências da pornografia entre muitos jovens — porque o consumo de pornografia começa cedo— são os complexos corporais. Obviamente, quando você contrata um garanhão, é porque ele tem qualidades físicas, como ser capaz de fazer sexo sob demanda na frente das câmeras, e tem um pênis maior que a média. Os jovens que olham isso e comparam com seus próprios corpos, lhes dá complexos sobre seu físico. Isto é para garotos. Mas para as mulheres, as consequências são que elas se acostumam a comportamentos degradantes. Deixe-me dar um exemplo: em entrevistas com mulheres jovens, surgiu uma prática usada com muita frequência, foi a ejaculação facial. Algumas das jovens que entrevistamos concordaram em receber esperma em seus rostos, mesmo que achassem degradante, para agradar ao namorado. Os caras pensaram que não era um problema e até mesmo que era divertido. Assim, se induz comportamentos nos quais a degradação do outro se torna um simples jogo sexual normal.
  
F.: A ampla disseminação da pornografia e a normalização da prostituição mudam radicalmente a relação entre homens e mulheres, em todas as sociedades... Veja o que está acontecendo na Alemanha.
 
R.P.: Na Alemanha, cerca de dois terços dos homens pagaram por sexo, no Canadá é cerca de 11%, na França, cerca de 12,5%. É óbvio que, em uma sociedade como na Alemanha, a visão das mulheres que os homens têm deve ser diferente da de uma sociedade como a minha ou a sua. Isso induz uma visão das mulheres como estando disponíveis para os homens, e se traduz na reação da garota que pensou que a ejaculação facial, afinal, não era tão degradante. Mas há uma distinção entre pornografia e prostituição: a pornografia é muito mais universal do que a prostituição. Na Alemanha, França ou Canadá, a pornografia é quase universal, e também mulheres a usam, não são mais apenas homens. A pornografia tem maior influência no imaginário coletivo e nas relações sociais de sexo do que a prostituição.
 
F.: Eu tenderia a pensar que a pornografia é um incentivo para a prostituição, e um manual de instruções para fazê-lo: pornografia é teoria, e prostituição é prática, a implementação de práticas sexuais propostas pela pornografia...
 
R. P: Você está certa, a pornografia pode até ser definida como propaganda em favor da prostituição.
 
F.: Pornografia seria performática?
 
R. P: Isso mesmo. Veja, por exemplo, o resistente. Muitas vezes em uma cena vemos o sexo do hardy, mas nunca seu rosto, e seu comportamento é o de uma máquina. Por outro lado, os rostos das mulheres são mostrados, porque mostrar seu "prazer" é imperativo. Além disso, a pornografia é uma das poucas áreas onde "atrizes" ganham mais do que "atores". Porque são elas que estão no centro da pornografia, não os homens. Na verdade, podemos substituir os homens por um vibrador, por animais, qualquer coisa.
 
F.: Você diz em seu livro que pornografia é um incentivo para agir, você cita estudos estatísticos sobre isso...
 
R.P.: Não apenas no ato, a pornografia incentiva a violência sexual, incentiva a objetificação, a mercantilização, é por isso que estou falando de pornografia como propaganda para prostituição. E não há limites. Publiquei algumas figuras sobre o assunto em um livro anterior, Early Sexualization and Pornography (Paris, La Dispute, 2009). Esses dados são irregulares, apesar da onipresença da pornografia em nossas sociedades. Por quê? Simplesmente porque há muito pouca pesquisa acadêmica sobre pornografia, como se o assunto fosse tabu, era uma questão de liberdade de expressão, e qualquer ataque a ela, inclusive através de pesquisas, seria repreensível, uma vez que ataca a primeira de nossas liberdades! No entanto, quando ouvimos as pessoas que trabalham no social, aprendemos mais sobre a influência da pornografia. Por exemplo, ao lidar com abusadores sexuais menores de 15 anos, palestrantes do Centro de Psicologia Forense de Montreal, que supervisiona menores abusadores sexuais, associam a precocidade dos agressores ao consumo pornográfico e à sexualização pública.
 
F.: Você aponta em seu livro que a violência contra as mulheres (como o assassinato em massa) não são atos impulsivos e que reduzir as motivações desses atos a fatores puramente psicológicos e individuais - uma infância infeliz, um pai ausente, "loucura" ou a famosa "mãe castradora" - obscurece os significados sociais de tal violência. Quais são os significados sociais dessa violência? 
 
R.P.: Assassinatos em massa (três ou mais vítimas) que não ocorrem na família, aqueles que ocorrem em escolas, em locais públicos, no trabalho, etc., são todos assassinatos masculinos. São homens que matam estranhos ou que estão fora de seu círculo íntimo. Se usarmos só a psicologia para explicar o ato do assassino, escondemos o fato de que é uma masculinidade que está em movimento, e isso é violento. Há assassinatos em massa por mulheres, mas isso acontece na família, e geralmente é a mulher que mata seus filhos, por todos os tipos de razões. Isso está acontecendo com menos frequência do que nas décadas de 1930 e 1940, quando aconteceu com mais regularidade. Era uma época de grande pobreza, mulheres que estavam sozinhas separadas de seus filhos porque a vida era muito difícil. Hoje, na família, geralmente é o homem que mata a esposa e os filhos, ou apenas as crianças. São sempre as mesmas razões dadas: em geral, é quando o homem percebe que sua esposa quer deixá-lo que ele toma essa atitude (74% dos casos). E se analisarmos como um "crime passional" ou como loucura de um homem que não aceita ser abandonado, perdemos o ponto: que são os homens que matam mulheres e crianças. Porque essas mulheres e crianças são percebidas como propriedade, e é inaceitável que seus direitos a essas pessoas lhes sejam tirados. Esse discurso é ouvido regularmente, mas é ignorado porque preferimos estudar a psicologia desses assassinos, apresentá-los como desequilibrados, invocamos conceitos freudianos, é a "mãe castradora", o "pai ausente" que são fornecidos como explicação. No entanto, nem todos os homens que têm um "pai ausente" e uma "mãe castradora" tornam-se assassinos. Então deve haver outros fatores além destes.
Enquanto esses assassinatos são explicados pela patologia dos assassinos ("eles perderam a cabeça"), eu os analiso a partir das características das vítimas. Essa perspectiva, radicalmente nova, nos estudos universitários, revela a dinâmica machista e racista, muitas vezes ignorada, nesse tipo de crime. Quando a mídia lida com os assassinatos de mulheres, geralmente se refere ao evento como um "drama familiar" ou um "crime passional", expressões que obscurecem a violência masculina. Quando se fala em assassinatos em escolas, a mídia regularmente se refere a "crianças que matam outras crianças" quando na realidade são meninos (100%) que matam. Assim, os discursos que instalam a violência apenas do lado da psicologia dos assassinos ("nenhum indício apontou tal ato de loucura") têm pouco interesse nos significados sociais machistas e racistas da referida violência. Eles se recusam a nomear essa violência, que é masculina, e, portanto, a escondem.
 
F.: Finalmente, você acha que há um ponto de partida biológico para a violência masculina, como as feministas essencialistas pensam?
 
R.P.: Como sociólogo, eu atiraria no meu próprio pé, se dissesse que sim! O que me retiraria a oportunidade de fazer o meu trabalho. Acho que é mais uma questão de socialização. Tive um colega que fez um trabalho de campo na Amazônia, no Wawana. Todos os comportamentos que conhecemos aqui, em nossa sociedade, eles não os conhecem lá: sem competição, sem competição entre homens, homens vão caçar na floresta pela manhã e voltam à noite. Se eles ficam na floresta por tanto tempo, é para permitir que os caçadores menos ábeis voltem também com suas presas. Não havia nada competitivo entre os homens, nem havia monogamia, então não havia ciúmes. Sem propriedade privada, um não quer ter o que o outro tem porque é compartilhado. Então é uma sociedade completamente diferente. É o que acontece nas sociedades matrilineares, na ausência de propriedade privada, o que torna os comportamentos diametralmente opostos aos que conhecemos em nossas sociedades. Portanto, a explicação biológica é irrelevante. Outra diferença interessante foi que quando esse colega lhes fez a pergunta "quem é o mais bonito?", os homens se recusaram a responder. Mas, no final, insistindo, este colega conseguiu uma resposta. Os homens disseram: "Nós somos os mais bonitos." Nessa cultura, os homens são vistos como mais bonitos do que as mulheres, porque na natureza, pássaros e animais machos são muitas vezes mais coloridos, mais ornamentados do que as fêmeas, e é por isso que eles pensam (ao contrário de nós) que não são as mulheres o "sexo bonito", mas os homens.
 
F.: Há culturas como a dos Masai, onde são os homens que se enfeitam, que se pintam, que desfilam...
 
R.P.: É realmente a socialização que explica a violência de algumas sociedades. Só porque você tem um pênis não significa que está condenado à dominação de um sexo sobre o outro.
 




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